5º Aniversário

20-12-2019

No ato de semear, a lanço, onde repito gestos imemoriais, sinto como foi a vida numa época, em que o esforço do homem se conjugava com a natureza para mútuo benefício e no da colheita, seja esta ou não farta, a sua bênção.  

O aprendiz


Comemoro, neste artigo, o passado dia 12 de dezembro de 2019, data do 5º aniversário do projeto do Vale da Lande, tempo suficiente para fazer uma primeira avaliação, do que foi realizado e do que ainda está por realizar e, sem dúvida, mais importante, do que contabilizar os sucessos e insucessos, constatar a evolução que este projeto induziu no meu conhecimento e compreensão da natureza e nos objetivos pessoais.

Começando esta avaliação pelo "fim", no artigo Encontrar(*) o Vale da Lande indiquei que procurava uma propriedade onde pudesse plantar árvores, colher cogumelos e frutos silvestres, devo acrescentar agora, "e todas as variedades de plantas que a natureza acolha como adequados à consolidação e ao desenvolvimento do biota local".

Confesso que, então, não pensava produzir e transformar cereais, legumes e outros produtos que são acessíveis e estão disponíveis em qualquer supermercado, mas os produtos colhidos dos cultivos feitos a jeito de "deixa lá ver o que é que isto dá" deixam saudades pelo que sabem, e os que ainda em nada resultaram deixam o desejo de o conseguir. Almejo, agora, poder comer pão feito com os cereais que vou semear, assim que o terreno estiver pronto para os acolher, as sopas de "nabos inteiros", o esparregado, as favas, produzir azeite, queijo, essências, ervas para infusões, sabonetes e tudo o mais que for possível e apropriado produzir no Vale da Lande.

Nos meus desejos, aguardam a oportunidade para se concretizarem, os trabalhos que julgo imprescindíveis para o desenvolvimento da propriedade, de acordo com as prioridades que indiquei no artigo Keyline (1).

Tenho para mim que, nesta fase, a tarefa prioritária ainda é a de incrementar a fertilidade do solo, sem o que não será possível ser bem-sucedido no estabelecimento de novas árvores e na recuperação das existentes. Julgo que a melhor condição do solo poderá inverter a tendência para a desertificação e degradação dos biotas com que contemporizamos, em particular neste Alentejo.

As sementeiras (ver artigo Semear para recuperar a fertilidade do solo) realizadas com uma mistura de gramíneas e leguminosas, onde antes existia um esteval fechado, incrementaram a biodiversidade no Vale da Lande. Atualmente já encontramos bandos de perdizes e outros pássaros que aqui vivem, bem como vestígios da presença de diversos animais entre os quais os dos javalis e coelhos.

Recordo como momentos únicos os encontros acidentais com um casal de texugos, apanhados desprevenidos fora da toca, com um javali que descansava à sombra de um sobreiro, com uma doninha que esticava o pescoço, espreitando com curiosidade a passagem da minha pick-up, com 3 coelhos recém nascidos que tiveram de abandonar a toca onde se abrigavam, porque a inundei ao regar a árvore que a ocultava, os ninhos de pássaros, alguns ainda com ovos, que vou encontrando quando faço a limpeza das árvores e silvas e a lagartixa que placidamente comia as formigas que lhe passavam por perto.

Tenho esperança de ter ultrapassado a limitação imposta pela necessidade de regar, nos primeiros anos, como expliquei no artigo "Waterboxx", as árvores recém plantadas, necessidade que me tem impedido de aumentar a área das novas plantações, terei ainda de esperar mais 2 ou 3 anos para o confirmar o resultado desta experiência.

Em jeito de avaliação:

A 1ª Plantação, realizada sem o embaraço do saber e experiência, entretanto adquiridos, corre bem, não obstante o insucesso no estabelecimento das cerejeiras silvestres, o pouco sucesso com as zelhas e o maior sucesso com os carvalhos cerquinhos. Na reposição das falhas ocorridas experimentei, nesta plantação, instalar ciprestes, alfarrobeiras, amendoeiras e olaias, árvores que mostraram algum potencial de adaptação.

Fui beneficiado com um ensinamento que considero valioso, por ter regado, nos últimos 4 anos, estas árvores. Assisti, nesta encosta, ao nascimento de sobreiros, azinheiras e várias espécies de arbustos e ervas, em número muito superior ao que existiu nas restantes. Atribuo, esta melhoria na fertilidade, ao incremento da fixação de carbono no solo, decorrente da maior disponibilidade de água para as plantas. Sobre este assunto recomendo a leitura do artigo "A via do carbono líquido" da Dr.ª Christine Jones.

Também corre bem a plantação efetuada, no ano seguinte, junto à linha de água. Houve insucessos na adaptação de alguns exemplares das 4 espécies que escolhi para fazer o repovoamento, freixo, amieiro, liquidâmbar e bétula, esta última com mais insucessos. Na reposição das árvores que não vingaram, plantei choupos e áceres, com sucesso. É aqui que se encontram, entre as árvores plantadas, as que têm um maior desenvolvimento , a sua altura já ultrapassam os 2m.

Foi no Vale da Lande que tive a oportunidade concretizar um antigo desejo de possuir pelo menos 2 árvores de fruto de cada espécie. No primeiro ano instalei entre macieiras, pereiras, cerejeiras, nogueiras, ameixeiras, pessegueiros, clementinas, amendoeiras e nespereiras, cerca de 24 árvores, que complementaram as figueiras, pereira e romãzeiras ali existentes.

Fiquei particularmente dececionado pelos maus resultados desta plantação. Lentamente, fui-me apercebendo, que o local onde a fiz, tinha uma drenagem deficiente ( ver os artigos SOLOS (3) e "Keyline"), constatei que, durante algumas semanas, após chuvas mais intensas no inverno e no início da primavera, o solo encharcava. Este excesso de água asfixiou as raízes das árvores, algumas morreram e as restantes ficaram tiveram um fraco desenvolvimento.

Inicialmente, pensei drenar esta zona, instalando tubos em valas para retirar o excesso de água, posteriormente, decidi que, em vez de lutar contra a natureza, devia tirar proveito do que esta me oferecia, pelo que transplantei as árvores mais afetadas, para outro local da propriedade e plantei em sua substituição salgueiros e áceres. Para as restantes árvores, desta zona, ainda tenho de escolher substitutas que beneficiem desta condição do terreno.

Obtive algum sucesso com as tentativas de replicar, a partir de estacas, as árvores de fruto existentes no terreno (ver artigo as As Resistentes) nomeadamente da ameixieira, abrunheiro e figueira tendo conseguido replicar um número de árvores suficiente para garantir uma boa produção para todos (residentes e visitantes do Vale da Lande).

Não tive sucesso na tentativa de replicar a pereira e um abrunheiro, que encontrei junto ao ribeiro com frutos inicialmente brancos e mais tarde cor de laranja. No final deste ano consegui adquirir uma hormona, que estimula o crescimento das raízes, com a qual pretendo repetir a tentativa de replicar estas árvores. Também vou experimentar replicar as azinheiras e os sobreiros, a partir de estacas retiradas dos melhores exemplares existentes no terreno.

Aprendi com os pássaros quando é que devo colher os frutos. Na primeira primavera esperei que as ameixas estivessem no ponto ideal para serem consumidas, visitava semanalmente a velha ameixeira e apalpava as ameixas que iam ficando vermelhas à espera desse momento. Via nos ramos os restos das ameixas que iam sendo debicadas pelos pássaros e no chão os caroços das que o vento derrubava e os outros animais consumiam. Quando já poucas restavam na árvore decidi apanha-las e deixar que acabassem de amadurecer em casa. Para minha surpresa, após 2 semanas, as ameixas que julgava ter colhido demasiado cedo e que provavelmente nunca estariam em condições de ser comidas, estavam no ponto ideal. Agora já sei que são os pássaros a indicar quando é que podemos começar a colher as frutas, nesse momento basta escolher as que têm melhor cor sem esquecer de deixar algumas na árvore para os outros interessados.

Estes 2 últimos anos foram os mais pródigos na colheita de cogumelos, com especial relevo para os Macrolepiota Procera (Para-sol) e os Amanita Caesarea (Laranjinha), alguns Boletus e em menor quantidade os Lepista Nuda (Pé azul) e as Russulas. Existe um sem numero de variedades que ainda não sou capaz de identificar e muitas são provavelmente comestíveis, alguns vizinhos também colhem Cantharellus Cibarios (cantarelas) que infelizmente ainda não consegui localizar no terreno.

Limpeza do Terreno por ter reduzido as estevas e os medronheiros, parceiros simbióticos de muitas espécies de cogumelos, fez decrescer o seu número. Simultaneamente deu-me maior visibilidade e liberdade de movimentos para percorrer o terreno o que veio facilitar a sua colheita.

Os cogumelos desenvolvem-se quando, em simultâneo, existe calor e humidade no terreno, estas condições normalmente verificam-se no outono com após as primeiras chuvas e no início da primavera quando a temperatura começa a subir. Talvez como consequência das alterações climáticas a época de colheita dos cogumelos deslocou-se do início para o final do outono e o número de cogumelos que tem aparecido na primavera é muito reduzido.

Iniciei a produção de compotas e marmeladas para aproveitar os frutos produzidos no Vale da Lande, tentei, julgo que com sucesso, valoriza-los em especial aqueles cujo consumo em fresco não revelavam especiais qualidades, foi o caso das maças, peras e abrunhos selvagens que depois de transformados em compotas revelaram um sabor intenso, impossível de obter com os frutos de cultura tradicional. Posteriormente também consegui encontrar um método para extrair as sementes aos medronhos tornando possível produzir puré de medronho sem grainhas. Este puré tanto pode ser utilizado para fazer compota, como bolos ou doces, recomendo especialmente a mousse de medronho que, para mim, em sabor não fica atrás da mousse de chocolate e que julgo ser mais saudável.

Este ano ficou concluída a vedação do terreno, que foi realizada com rede ovilheira esticada entre postes de madeira tratada e duas fiadas de arame farpado. Numa primeira fase foi vedada a parte do terreno que confina com o caminho a nascente da propriedade, trabalho que teve como objetivo impedir que as ovelhas que pastam nos terrenos vizinhos, na maior parte do tempo sem qualquer supervisão, entrassem no Vale da Lande e danificassem as árvores recém plantadas. Numa segunda fase foi vedada a frente do terreno que confina com o caminho, que passa junto ao ribeiro, situado no lado poente da propriedade, para impedir que as vacas e as cabras, que se percorrem este caminho para chegar aos pastos existentes nos terrenos contíguos, invadissem a propriedade e danificassem as árvores recém plantadas. Neste último verão, completei a vedação da propriedade (lados sul e norte) depois de ter sofrido inúmeros prejuízos causados pelas vacas que vagueiam, abandonadas, à procura algum pasto para comer.

A atribuição de subsídios por cabeça de gado que incentiva o aumento do número de cabeças detidas para além das que os alimentos disponíveis para a sua alimentação recomendariam, os anos de baixa pluviosidade que reduzem os pastos disponíveis no estio, a incúria dos proprietários do gado, quer na vigilância quer em suprir a sua alimentação nos períodos de carestia, a parca vigilância das propriedades que decorre de não serem permanentemente habitadas ou guarnecidas de trabalhadores e que impede a identificação do gado e do seu proprietário, têm agravado os prejuízos causados nas propriedades pelo gado e deteriorado as relações entre vizinhos.

Não são só os animais que causam prejuízos nas propriedades, há os que querem usar os caminhos, no interior das propriedades, para a prática de TT em bicicleta, motas ou 4x4 e que não se dão ao trabalho de voltar a fechar as cancelas que impedem a passagem do gado ou que não as encontrando muitas vezes derrubam ou cortam as vedações, há a invasão dos terrenos por caçadores que na perseguição desenfreada das presas não cuidam de evitar causar prejuízos nas culturas, há ainda quem se queixe de estar o Alentejo espartilhado pelas vedações, que anteriormente eram raras, porque impedem a circulação no seu interior e obrigam a fazer percursos mais longos para ir de A a B.

Para quem, esporadicamente, vai ao Vale da Lande, talvez seja na antiga casa que são mais visíveis as benfeitorias já realizadas. Inicialmente foi realizada a recuperação do telhado e das paredes exteriores, pondo termo à degradação que se ia observando neste edifício, recentemente foram executadas as infraestruturas necessárias para o abastecimento de água e energia à casa e a construção das redes de drenagem de águas pluviais e residuais, bem como realizada a colocação de terras para a extensão do pátio. Espero brevemente iniciar a recuperação do interior da casa permitindo que volte a ser habitada.

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