Encontrar(*) o Vale da Lande
(*) "Procurar significa ter um objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos." Hermann Hesse em Siddhartha
Numa tarde do verão de 2014, observando a paisagem que envolve a linha do sul, divisei no prolongamento para sul da serra de Grândola as serras denominadas do Cercal e de S. Luís.
O mosaico da paisagem das serras litorais, pela diversidade que ostenta, sempre me fascinou mais do que o da planície alentejana.
Nela encontramos, além das searas e montados característicos da planície, os bosques de quercíneas, a vegetação rípicola, as pastagens e os matos de vegetação xerófita.
Alarguei assim para sul a pesquisa de uma propriedade, na qual pudesse plantar árvores, colher cogumelos e frutos silvestres, que vinha desenvolvendo.
As circunstâncias ditaram que estivesse para venda a propriedade designada por Vale da Lande no limite nascente da serra de S. Luís.
O Vale da Lande ocupa um conjunto de elevações contíguas com orientação Noroeste-Sudeste, entre as altitudes de 180m e 256m, tem no limite Poente um corgo e possui diversos vales encaixados nas vertentes.
Do ponto mais elevado do Vale da Lande avista-se para Nascente o "mar de terra", suavemente ondulado que faz a transição da serra para a planície ponteado de branco pelo casario dos lugares, para Poente os cumes da serra, uns densamente arborizados pelos bosques de quercíneas e matos xerófitos outros calvos pela instalação de pastagens, para Norte e Sul avista-se a linha formada pelos cumes orientais da serra que cedem lugar às elevações de transição para a planície.
A propriedade encontrava-se abandonada e intransitável, com exceção dos caminhos vicinais e de duas faixas junto aos limites Nascente e Poente que aproveitando a vizinhança(1) eram oportunisticamente utilizadas para pastagem.
Os estevais assentaram arraiais após o incêndio que em 2008 varreu a propriedade. Entre as estevas despontavam os troncos negros das árvores queimadas e danificadas pelo fogo que teimosamente, vivas ou mortas, se mantinham em pé.
A devastação causada pelo incêndio na redução do arvoredo é testemunhada pelas fotografias de satélite patentes no Google Earth com as datas de outubro de 2006 e junho de 2010, 2 anos antes e após esta ocorrência.
As silvas, qual costureiras que se afadigam sobre os seus manequins, teciam em longos lanços os seus mantos sobre as esparsas árvores de fruto, que arrimadas pela lavoura para as bordaduras das várzeas competiam com aquelas por um lugar ao sol.
Instaladas em várzeas e nas umbrias adjacentes sobressaiam hirsutas as copas das oliveiras, umas de provecta idade revelando nos troncos ocos e por vezes queimados a dureza dos tempos já vividos, outras de troncos secos prometiam aos tempos vindouros um novo fôlego nos profusos rebentos de toiça.
As ruínas emendavam a mão e vontade do homem resgatando à casa e anexos os materiais apartados para a sua construção reintegrando-os no ciclo regenerativo como testemunhavam os tetos e paredes já tombados e os outros que ameaçavam ruir a qualquer momento.
O estado desencorajante da propriedade não me afetou, senti a harmonia do espaço e as promessas que encerrava, não obstante, julgar na altura, que a sua área era inferior à que considerava desejável para a concretização dos meus propósitos.
Em dezembro de 2014 com a aquisição da propriedade estavam reunidas as condições para o início deste projeto que irei relatando neste blog à medida da sua concretização.
Não posso terminar este post sem uma referência aos meus novos vizinhos, o Sr. Moreira, residente na Alemanha que nas suas passagens por Portugal cuida com desvelo da sua da sua propriedade, o Sr. John de nacionalidade Irlandesa que é atualmente o único residente permanente naquele lugar, o Sr. Nelson que recentemente adquiriu uma propriedade contígua à do Vale da Lande para nela realizar um projeto de produção de medronho e o Sr. Paulo, cunhado do Sr. Manuel (abaixo referido) e proprietário do Anubis, a quem dedicarei um futuro post.
Também uma palavra de reconhecimento e agradecimento às gentes desta terra que sempre solícitos me acolheram e guiaram neste encontro. Começo pelo Sr. Manuel, filho do último caseiro do Vale da Lande, ali residiu e trabalhou na sua juventude, é quem melhor conhece a propriedade e os trabalhos das anteriores lavouras, o Sr. Florival proprietário do café-restaurante da aldeia que além de óptima comida assegura o abastecimento semanal de pão, o Sr. Antero proprietário da mercearia da aldeia, homem culto e da cultura, escritor, com obra publicada sobre a história, as gentes e os costumes da aldeia, pessoa a quem também devemos pedir conselho sobre os santuários da gastronomia local.
P.S. - À Xana, esposa, conselheira, fotografa...., sem ti este projeto não faz sentido. Obrigado pela tolerância às minhas ausências e pelas fotografias.
(1) dar vizinhança - "tolerar e permitir que os gados de cada qual entrem uma ou outra vez nas terras do vizinho que não estejam guardadas" página 6 da obra "Através dos Campos" de José da Silva Picão.