Keyline (1)
Os incas contam "O primeiro homem que veio à Terra tomou a sua mulher pela mão e caminharam com varas até que estas afundaram em terra macia e fofa. Ali pararam e fizeram a sua casa, fundando a cidade santa de Cuzco".
O conhecimento de terra fofa ser terra fértil e produtiva é tão velho como a história da agricultura. Desde que os homens cultivam o chão procuram terra grumosa, e não importa se a procuram com uma vara ou um cavalo. Onde o tropel do cavalo se torna surdo, desciam e ficaram porque a terra era boa.
Somente, quando o homem montou em tratores perdeu o contato com sua terra. Ainda notava que a terra virgem caía do arado como se fosse arroz e terra velha de cultura caía em torrões grandes, que necessitavam de ser destorroados. Via as nuvens de poeira que as máquinas provocaram mas não pensava em mais nada, a não ser no dinheiro que pretendia ganhar.
Ana Primavesi in Manejo Ecológico do Solo
Keyline, foi a palavra escolhida por P. A. Yeomans para designar a linha, de nível, que passa no Keypoint de um vale primário. É também utilizada como diminutivo de "Keyline Plan" para designar os processos de melhoramento do solo e de planificação das explorações agrícolas desenvolvidos por P. A. Yeomans.
Este desenvolvimento principiou nos trabalhos realizados para a recuperação do solo degradado de Yobarnie, propriedade situada em New South Wales, a cerca de 65Km, a oeste, de Sidney, Austrália. As técnicas, que então, foram empregues e os resultados obtidos estão relatados no livro "Water for Every Farm - Yeomans Keyline Plan" que abaixo transcrevo.
"An early experience on our family property in this type of soil making, had as raw material, yellow clay subsoil (from which the three top inches of poor grey soil had been washed away), soft yellow shale rock and a harder blue shale. The original profile had been 50-75mm of grey soil, about 225mm of yellow subsoil on the hillside ranging to meters of the same material in the valley areas. All this was underlain by the harder blue shale that was the immediate geological base of the land. The areas of yellow subsoil clay were associated with lower parts; the yellow shales with the medium slopes and the blue shale showed on the steeper ridges. The property was west of Sidney and averaged 600mm annual rainfall.
We cultivated the land around 6cm deep with a chisel plough (which does not turn the soil upside-down) equipped with 50mm chisel spaced 30cm apart. This first cultivation was done in such a way that the second run with the chisel plough, when made on Keyline Pattern would form a cross cultivation. The second run was made slightly deeper than the first.
A mixture of grass and inoculated legume seed was planted into this rough and lumpy surface together with 125Kg per hectare of a 50-50 lime-superphosphate mixture. White clover and cocksfoot were included with the planting; booth were said not to grow in the region. The weather was warm and moisture conditions were not critical. The result of this sowing was exceedingly poor. Very few clover plants remained for long after germination, and grasses were thin and yellow.
This "pasture" was allowed to grow to about 18cm high before cattle were put on to eat it right off. The area was then cleared of stock and the grass allowed to grow again before been eaten off. The paddocks were finally eaten down in the early autumn by which time the grass had improved in both colour and growth. A thin sprinkle of white clover and lucerne plants persisted with many plants of subterranean clover. At this stage, witch was 12 months from initial sowing, the pasture was immediately chisel cultivated on Keyline pattern working the soil a little deeper than before. The result of this cultivation appeared to be almost complete destruction of the indifferent pasture.


Throughout this second year, the pasture itself had continued to improve at an accelerating rate. Root systems were also deeper and very much thicker everywhere. Many visitors who saw the pasture at the end of the second year believed we would ruin what they then considered good pasture if we cultivated it so dramatically again.
The rather spectacular improvement in growth following the apparently destructive cultivation had been seen before. So after the third year the paddocks were again chiselled a little deeper. Throughout the third year the pastures were very good. The rate of recovery from second year chiselling had improved it further.
The forth year the pasture was outstanding. The soil everywhere was then dark and teeming with soil life. There were many more small earth worms, and considerable numbers of lager ones.
... The cultivation program was completed at the end of the third year when there was an average of 13cm of real soil over all the treated land. The soil continued to deepen and darken as earth worms increased in numbers end size."
The cultivation revealed a notable change in the soil-material. The lumps were more friable and there was a darkening of the yellow coloured material. Perhaps the most notable change occurred in the harder blue shale, where at first the plants had appeared to be scarcely alive; it seemed impossible for them to persist through to the autumn. There was more fine and dark material while the broken shale and larger shale pieces were a mass of fine cracks, with many of the lumps fretting away and breaking up when touched. The persistence of the various plants was then about equal to that on the yellow areas.
The paddocks were left without stock for the pasture to grow. Regrowth was relatively rapid, the colour was much improved and the change in the clover was notable. While the sub-clover had thickened up, the white clover was now everywhere. Grasses grew taller and thicker. No fertilizer was used then or at any time, during the next ten years.
The pasture was given time-to-regrow after each stocking during the second year when it was cultivated in the autumn as before, but a little deeper. Inspecting the rough surface of this cultivation there was a little evidence anywhere of the former yellow shale; the material was now much darker. The formerly blue shale patches looked remarkably like good dark soil. Inspection with the aid of a spade revealed many small earth worms in all the cultivated and aerated "soil". The soil was dramatically coming to life."
As semelhanças entre Yobarnie e o Vale da Lande, nomeadamente o substrato rochoso, de xisto na primeira e de xisto e grauvaques na segunda e o valor médio anual da precipitação (600mm) em ambas, embora com uma distribuição mensal muito uniforme em Yobarnie, ao contrário da do nosso clima mediterrânico, que se carateriza por um período sem chuva no verão, impeliram-me a experimentar estas técnicas, numa parcela do Vale da Lande.
A mobilização do solo, em linhas paralelas à Keyline, tem como objetivo, principal, promover a deslocação da água, que percola o solo, do vale para as encostas, encaminhando-a através dos rasgos abertos no solo com um implemento que não o inverte e como objetivos secundários, mas igualmente importantes, efetuar o arejamento do solo e quebrar as lajes adensadas.
Os solos das encostas do Vale da Lande, são esqueléticos, do que lhes advém uma baixa capacidade de retenção de água. A água proveniente da chuva infiltra-se no solo até atingir a camada impermeável, que nos solos esqueléticos, está muito próxima da superfície. Quando chega a esta camada, a água, percola no sentido da pendente do terreno, isto é no sentido da encosta para o vale, concentrando-se aí, devido à baixa permeabilidade, o que provoca a sua saturação.
Os solos saturados, estado que é facilmente identificável pela existência de água acumulada na superfície, possuem condições adversas ao desenvolvimento das plantas. A falta de oxigénio no solo (anaerobismo), por um período prolongado, causa a morte das raízes das plantas por asfixia.
Após a chuva, rapidamente, os solos das encostas secam e o solo dos vales satura. A mobilização do solo em linhas paralelas à Keyline pretende reduzir a velocidade a que se dá este processo, permitindo que a água permaneça por maior tempo no solo das encostas, aumentando deste modo a sua produtividade.
Para experimentar estas técnicas escolhi uma parcela, do Vale da Lande, com cerca de 2ha, cuja limpeza tinha sido efetuada, com corta-matos, em março de 2018. Em setembro fiz a marcação da Keyline com as estacas de madeira que se vêm na fotografia n.º 2 e em outubro foi feita a passagem do terreno, em linhas paralelas à Keyline, com um chisel.
A passagem da parcela com o chisel, em linhas paralelas à Keyline, não foi corretamente executada devido ao meu desconhecimento das condições necessárias para executar este tipo de trabalho. Em terrenos com uma pendente significativa o trator tem de trabalhar com a frente inclinada para a parte superior do terreno, compensando desta forma o escorregamento das rodas da frente. Por este motivo o trabalho tem de ser realizado em 1º lugar na linha situada na parte inferior da parcela subindo sucessivamente por forma a que as rodas da frente não pisem o terreno que já foi trabalhado.
Como a Keyline estava situada sensivelmente a meio da encosta, o trabalho do tratorista acima desta linha não apresentou dificuldades de maior, já o trabalho abaixo desta linha não pôde ser feito em linhas paralelas à Keyline porque implicava que fosse feito de cima para baixo, isto é da linha marcada para a parte inferior da parcela. A solução que preconizo, para futuras intervenções, consiste em marcar uma linha, paralela à Keyline, junto ao limite inferior da parcela a intervir e outra ou outras, consoante o desnível, mais acima, conseguindo deste modo que o tratorista siga de modo mais fiel a marcação no terreno.
O número de dentes do chisel foi reduzido de 3 para 2, conseguindo-se assim evitar que este implemento levantasse devido à acumulação dos detritos, resultantes da limpeza do mato efetuada no início do ano, que permaneciam na superfície desta parcela. A profundidade dos rasgos feitos pelo chisel variou entre 10 e 20cm, consoante a profundidade da camada superficial do solo que existia em cada local.
Em novembro, após as primeiras chuvas, foi feita a sementeira da pastagem, com uma mistura de gramíneas e de leguminosas inoculadas, sem recurso a adubação ou calagem. Apesar da chuva, até ao final do inverno deste ano, ter sido muito fraca o estabelecimento e o crescimento da pastagem, (fotografia n.º 3), foi melhor do que nas experiências anteriores em que não foi empregue a Keyline.
Ao longo do período, que decorreu desde a sementeira até ao final do inverno, fiz diversas sondagens ao solo, com a ajuda de um abre furos, a melhoria da camada superficial do solo pode ser observada pela comparação entre as fotografias n.º 4 e 5, a primeira tirada após a sementeira e a segunda no final do inverno. Nesta última já é visível uma camada superficial, com cerca de 3cm, totalmente enraizada e com uma coloração ligeiramente mais escura e um aumento substancial do número de radículas na camada inferior.
O Keyline Plan estabelece um planeamento integrado das explorações agrícolas, segundo uma ordem decrescente de permanência (imutabilidade, tempo e dificuldade necessários para a sua modificação) dos seguintes fatores: Clima, Orografia, Abastecimento de água, Caminhos agrícolas, Árvores, Edifícios, Vedações e Solo.
A ordem porque estão referidos os fatores, indicada a ordem em que devem ser tomadas as decisões sobre a organização da exploração agrícola, por exemplo, as decisões sobre os locais onde devem ser feitos os trabalhos de aproveitamento de água sobrepõem-se ás decisões sobre o traçado dos caminhos agrícolas, localização de árvores, edifícios da propriedade, etc.
"In order to plan the development and management of land, the many factors that are involved should be related in some logical order. The planning of one aspect cuts across others, so some must have preference. Decisions have to be made on all sort of apparently conflicting items of land planning. We need, also, to have an aim or an object, a basic plan" P. A. Yeomans in The Challenge of Landscape.
Expresso, aqui, a meu reconhecimento e gratidão a P. A. Yeomans pelos métodos que desenvolveu para o melhoramento do solo e pelo sistema que criou para a organização das propriedades agrícolas.
Reconheço que, a leitura deste livro, deu uma nova direção e coerência à maneira como penso desenvolver o Vale da Lande. A adoção dos preceitos, deste sistema, evitará que sejam cometidos erros no desenvolvimento da propriedade que, posteriormente, dificilmente poderiam ser corrigidos.
Trabalhos, aparentemente sem grandes implicações posteriores, como, por exemplo, o da marcação de linhas, para a plantação de novas árvores, que anteriormente foram feitos segundo as curvas de nível do terreno, vão futuramente ser realizados em linhas paralelas à Keyline, permitindo efetuar a subsolagem em linhas paralelas à Keyline sem que a localização das futuras árvores interfira no trabalho. Outros, têm maiores implicações, como por exemplo a escolha dos locais para construção de barragens e canais de rega, a localização dos caminhos e a das vedações no interior da propriedade. Com este sistema os fatores, anteriormente referidos, Clima, Orografia, Abastecimento de água, Caminhos agrícolas, Árvores, Edifícios, Vedações e Solo, harmonizam-se para criar um espaço único, coerente e naturalmente mais produtivo.